Mito da Caverna e o Cinema

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Quando estudamos sobre a história do cinema encontramos muitas vezes artigos que nos contam sobre a primeira exibição feita na história, a Chegada do Trem à Cidade, dos Irmãos Lumière, no Salão Grand Café, em Paris, dia 28 de dezembro de 1895. E tomamos, muitas vezes, equivocadamente, esse evento como o nascimento do cinema, quando na realidade ele pode ter nascido até mesmo muito tempo antes das máquinas fotográficas.

O advento do cinema como a gente conhece pode até ter sido implementado através da evolução de invenções como a Câmara Escura e o Taumatrópio (1824), e aparelhos como o Fenaquistoscópio (1829), o Zootrópio (1834), o Cinetoscópio (1891) e o Cinematógrafo (1895), mas a ideia da imagem em movimento… ah, essa existe desde o tempo das cavernas…

Em cavernas como a de Altamira, no norte da Espanha, por exemplo, encontram-se pinturas rupestres cujos artistas tiveram a intenção e o êxito em dar um efeito de movimento às gravuras. E o que é o cinema se não imagem em movimento?

Portanto a mentalidade de cineasta pode ter nascido muito antes da câmera fotográfica ou do cinematógrafo e ser inerente à própria espécie humana. Esse é um dos principais motivos pelo qual o Cinema é considerado uma arte.

Até mesmo Platão, durante a antiguidade, conseguiu descrever com precisão a mecânica de uma sala de cinema sem ela existir.

O que é a Caverna de Platão?

Platão escreveu em seu A República, livro VII, uma alegoria comumente chamada de Mito da Caverna, que diz mais ou menos o seguinte:

Imagine pessoas acorrentadas de uma forma em que não consigam mover nem mesmo seu pescoço, sendo forçadas a olharem apenas na mesma direção, que dá para uma parede no fundo de uma caverna em que o solo em direção à entrada, seja íngreme. Estão lá há tanto tempo que nem mesmo memória tem de qualquer outro lugar.

Atrás dos prisioneiros há um muro e atrás desse muro há uma fogueira. Algumas pessoas andam no espaço entre o muro e a fogueira e carregam todos os tipos de objetos, e como títeres, apenas a sombra desses objetos (e não a de seus corpos), se projetam na única parede para onde os prisioneiros conseguem olhar, e que o eco dos objetos é único som que esses prisioneiros conhecem. Então tomam as sombras dos objetos e o som dos ecos como a realidade.

Imagine então, que se um desses prisioneiros um dia for liberto e a voltar-se de forma ereta, lhe doeria seu corpo inteiro, e, se fosse forçado a olhar para o fogo, descobrindo então que as imagens que viu durante toda a sua vida eram apenas sombras de objetos que realmente existiam, a princípio essas sombras lhe pareceriam mais reais do que esses objetos que lhe foram mostrados.

E se logo após for obrigado a sair da caverna, lhe doeria ter que fazer o esforço de caminhar pelo chão íngreme. Conheceria então “uma outra versão maior do fogo”, ou melhor, o sol e a intensidade da luz magoaria seus olhos. Primeiramente ele tomaria essa caminhada e essa luz como uma violência sem par.

Mas aos poucos se acostumaria com a claridade fora da caverna, e caminhando conheceria o mundo do jeito que o observamos, e perceberia que luz do sol sobre outros objetos causa a sombra, e que ela nada mais é do que uma consequência de um objeto que é real.

Também conheceria as estrelas, a noite, o dia, as estações do ano.

Um dia lembraria-se então de seus companheiros de prisão, pensando na injustiça que foi passarem a vida sem conhecer essa verdade, e pra lá voltaria pensando em avisar a injustiça que haviam sofrido.

Chegando lá não enxergaria bem na escuridão da caverna, pois agora seus olhos já não são mais tão acostumados à escuridão.

Tentaria argumentar com seus companheiros dizendo que foram enganados, afirmando que existe todo um outro mundo fora dali, que o que enxergam é uma mera projeção de objetos que são os objetos que de fato existem. E que há tanta luz lá fora que seus olhos já nem enxergam direito com tão pouca luz.

Os prisioneiros pensariam então, que ter sido liberto e saído da caverna resultou em sérios problemas no seu cérebro, pois voltou negando a realidade que sempre viram a vida inteira, as sombras na parede, e danificando sua visão.

Portanto ao lado de seus ex-companheiros prisioneiros, acaba por se tornar o único cego daquele lugar.

E, se entrassem em discussão sobre as sombras da parede, os prisioneiros ririam de seu antigo companheiro que já não enxerga bem, e o diriam que não vale a pena subir para terem a visão estragada e se alguém tentasse conduzi-los ao alto, à entrada da caverna, se pudessem fazer, o matariam.

Essa alegoria pretende analisar a jornada pelo conhecimento.

Aqui fica o questionamento:

Quem é o cego ou o louco nisso tudo? O liberto ou os prisioneiros? Cada um deles é o cego ou o louco um para o outro. Para o liberto, os prisioneiros são cegos ou loucos por não terem o conhecimento do mundo lá fora. Para os prisioneiros, o liberto é o cego ou o louco por não mais reconhecer e enxergar sua realidade.

Qual a relação da Caverna de Platão com o cinema?

Na maioria das vezes esse tema é apenas explorado na temática do enredo do filme, mas na realidade podemos ter essa relação em dois diferentes níveis - Até mesmo o conceito da quebra da quarta parede no cinema também está relacionado a esse tema.

O mais curioso é o fato de que o cenário descrito por Platão é praticamente uma narrativa da mecânica que acontece numa sala de cinema, onde o espectador seriam os prisioneiros descritos. Todos estão voltados para a mesma parede, a luz do projetor é como a fogueira, os títeres são o filme que é exibido, a caverna é a própria sala de cinema, e por vezes vivemos com a nossa mente muito mais dentro da narrativa de um filme do que na nossa própria realidade.

PERSONAGEM

A trama que acontece com a personagem na temática do enredo de vários filmes que exploram questões como: “Qual é a verdadeira realidade, o mundo que sempre conheci ou outro mundo fora dele”?

Filmes que retratam o Mito da Caverna:
  • O Show de Truman (Peter Weir, 1998)

  • Matrix (Irmãs Wachowski, 1999)

  • Amnésia (Christopher Nolan, 2000)

  • A Vila (M. Night Shyamalan, 2004)

  • Ilha do Medo (Martin Scorsese, 2010)

  • O Quarto de Jack (Lenny Abrahamson, 2015)

ESPECTADOR

Não deixamos de estar no lugar de prisioneiros quando estamos na sala do cinema: Com quatro paredes, três são escuras e estamos voltados para apenas uma delas, na qual prestamos atenção. Imagens cuidadosamente selecionadas pelo diretor e editor do filme nos são apresentadas sendo projetadas através da luz do projetor. Não enxergamos nem os bastidores (o que está por trás das câmeras) e nem outros possíveis lados da história que estão querendo nos contar - mas sim sob uma ótica específica que nos foi escolhida para se mostrar.

Quando saímos da sala do cinema, vivemos nossas vidas normalmente, mas não sem aquele momento no qual revivemos o filme que assistimos, e às vezes queremos voltar pra lá com mais conhecimentos adquiridos na nossa jornada.

E mais: o que nos é mostrado ali não é uma realidade, se não uma ilusão. Acompanhamos entusiasmadamente a vida de um personagem que na nossa realidade muitas vezes nem existiu.

Assistimos à cenas que não aconteceram de verdade. É lógico que há várias exceções à essa regra, como no caso de filmes gravados sobre um personagem histórico, a quebra da quarta parede ou cenas gravadas cumprindo a proposta do Dogma 95, mas isso já um assunto para outro texto.

Escrito por Ivi Louise Horst

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